As deslocações em Madagáscar podem ser muito complicadas. Se em Moçambique achámos que as estradas eram más, neste país são praticamente inexistentes em diversos locais. E uma viagem de 200kms pode ser um verdadeiro exercício de tolerância ou um teste à nossa resistência física.
No primeiro post sobre Madagáscar falamo-vos da nossa primeira experiência num taxi-brousse, o meio de transporte mais usado pelo povo malagasy - uma
carrinha de 9 lugares que leva 21 pessoas. Pois bem, agora já é quase banal para nós este tipo de viagem. Embora a maior parte dos turistas opte por alugar um jipe com condutor e guia para fazer os seus percursos pelo país, nós optámos por tentar viver a vida local ao máximo, o que dificulta bastante as deslocações, mas sai muito mais barato.
A nossa primeira grande viagem de taxi-brousse foi de Antananarivo para Antsirabe. Ainda na capital tentaram dissuadir-nos de ir de taxi-brousse, alertando-nos do perigo que seria ir até à paragem sul, que está repleta de ladrões à caça de turistas. Apesar de aventureiros somos bastante conscientes e sabemos que cuidados ter - manter sempre à mão os itens mais valiosos e agarrarmo-nos a eles com a vida - e por isso decidimos ir apanhar o taxi-brousse para Antsirabe de qualquer maneira.
Na chegada à paragem sul dos taxi-brousses a visão era realmente caótica. Para além das centenas de vendedores a tentarem vender pequenos snacks para a viagem, fomos logo cercados por 10 condutores cada um a tentarem impingir-nos a viagem na sua própria carrinha. O taxista que nos levou do hotel até à paragem foi bastante atencioso e não se foi embora até estarmos bem entregues. Pagámos por quatro lugares para irmos um pouco mais "à vontade" e para apressar a saída do taxi-brousse, que só parte quando está completamente cheio. Já à nossa frente estava uma familia inteira a ocupar os ditos 4 lugares...
Assim que saímos da paragem a carrinha foi abaixo, mas não foi motivo de preocupação. Bastou empurrar um pouco e lá fomos nós rumo a Antsirabe! A viagem em si até foi bastante tranquila. A carrinha não dá mais de 70km/h - e ainda bem - inicialmente por causa das curvas e depois por causa dos buracos na estrada, e pela potência da carrinha em si. E assim se fazem 200 kms: tranquilamente, em 4 horas e meia...
A viagem do dia seguinte é que foi realmente extenuante, e o tal exercício de tolerância e paciência de que vos falámos.
Foi em Antsirabe que tratámos de todos os pormenores para a descida do rio Tsirihibina e fizemos um acordo com o Lanto das Tropic Voyage Tours de que iríamos até Miandrivazzo, onde começa a descida, de taxi-brousse e não de veículo privado. Chegámos à paragem de taxi-brousse por volta das 10 da manhã e esperámos, esperámos, esperámos... Duas horas e meia até a carrinha encher e assim se dar a partida. Assim começou o nosso teste à paciência, uma virtude que todo o povo malagasy parece ter em abundância, a julgar pela calma e "não reacção" de todos os passageiros... Já em Portugal qualquer coisinha é motivo de stress ou de reclamações exaltadas, aqui só nos resta aceitar que o timing das coisas é outro. Desta vez fomos nos lugares da frente da carrinha, sem pagar nenhum extra, e com muito mais espaço que os 4 lugares do dia anterior. Ainda nem tinha passado uma hora de viagem já a carrinha estava a deitar fumo por todo o lado e assim se fez a primeira paragem forçada para almoçar. Teríamos muito que esperar de qualquer maneira por isso o melhor mesmo era comer qualquer coisa... Voltámos a arrancar passados cerca de 45 minutos para um percurso de mais uma hora e pouco. Prestes a entrar numa descida acentuada ouvimos o tilintar de uma peça qualquer a cair no alcatrão e reparámos no olhar preocupado do condutor que se apressou a parar antes de entrarmos na descida. Mais uma vez os 21 passageiros, incluindo mães com bebés ao colo, saíram da carrinha para um pequeno arranjo. Sinceramente achámos que não passaríamos dali, que provavelmente teríamos de dormir ao monte até conseguir boleia de algum carro que passasse, que até então não tinha sido nenhum! Depois de tirar o pneu, aparafusar e desaparafusar várias peças, de verificarmos que os discos dos travões estavam completamente partidos e colados com cuspo, partimos novamente nesta longa - muito longa - viagem. Para além das paragens da praxe em que o condutor subornou vários policias pelas pessoas que trazia a mais, ainda parámos vezes sem conta para deixar e levar mais pessoas - entre elas dois militares armados, uma pessoa com uma galinha viva na mão e outra com um cesto de peixe seco com um cheiro nauseabundo. Chegámos a Miandrivazzo 7 longas horas depois (sem contar com as horas de espera) para o tão desejado descanso num "quarto com casa-de-banho", que não passava de um quarto com uma sanita sem tampo a um palmo da cama dividido com uma cortina...
Outro tipo de taxi-brousse que apanhámos foi uma carrinha de caixa aberta (mas fomos outra vez nos lugares da frente), com pneus completamente carecas, mas um pouco maiores que o normal, para aguentar a estrada de terra entre Antsikaraka e Morondava.
Em Morondava decidimos que precisávamos de uns dias de descanso na praia, mas apercebemo-nos de que para chegar a Ifaty demoraríamos cerca de 3 dias de taxi-brousse, e lá fizemos o investimento de alugar um jipe com condutor (nem há hipótese de ser sem ele, e percebemos perfeitamente porquê) para reduzir o tempo de viagem para "apenas" dois dias. Já nos tinham avisado que a "estrada" estava em mau estado (as últimas por que passámos estão óptimas segundo eles), mas só depois de arrancar percebemos que a estrada era inexistente... Andámos dois dias pelo mato denso, no segundo até apanhámos um ferry rudimentar que nos questionámos como é que alguém chega lá, passámos por povoações perdidas no meio de vegetação mais alta que nós, por zonas em que os gafanhotos criavam autênticas nuvens, ficámos atolados no meio de um rio e ficámos com muitas dores nas costas de tantos solavancos... E fome. Tivemos de racionar as 4 bananas que tínhamos para a viagem e o pacote de bolachas que nem dava para tapar a cova de um dente...
Outro meio de transporte que existe muito por aqui é o pousse-pousse: um rickshaw puxado por um homem, muitas vezes descalço. Algumas pessoas têm pudor em usar este meio de transporte por associa-lo à escravatura ou por acharem ofensivo serem puxados por outro ser humano. Na verdade estes homens precisam mais de trabalho e de dinheiro do que de pena ou simpatia, e por isso nós também já experimentámos este meio de transporte para pequenas deslocações.
Viajar em Madagáscar é uma verdadeira aventura, é provavelmente a viagem mais selvagem que fizemos até hoje, mas há coisas que ficam para a vida, e temos de aproveitar agora!!
Transportation in Madagascar
Going from one place to another in Madagascar can be very complicated. If in Mozambique we thought the roads were bad, in this country they practically do not exist in various places. And a 200km journey can be a real tolerance exercise or a test to our physical endurance.
In our first post about Madagascar we told you about our first experience on a taxi-brousse, the most used means of transport by the Malagasy people - a nine seat mini van that takes 21 people. Oh well, now it's almost ordinary for us to do this kind of journey. Even though most tourists choose to hire a 4 wheeled vehicle with driver and guide for their travels around the country, we chose to live the local life to the most, which can make going from one place to another a lot more difficult, but a lot cheaper too.
Our first long taxi-brousse journey was from Antananarivo to Antsirabe. Whilst still at the capital someone tried to convince us not to take the taxi-brousse, telling us it would be dangerous to go to the southern taxi-brousse stop, which is filled with robbers trying to catch tourists. Even though we are adventurous we are very conscious and we know what precautions to take - keep the important items in our hand luggage and holding on to it with our lives - and as so we decided to catch the taxi-brousse to Antsirabe anyway.
As we got to the southern taxi-brousse stop all we could see was chaos. Apart from the hundreds of vendors trying o sell little snacks for the trip, we were immediately surrounded by 10 drivers each trying to talk us into going on their own mini vans. The taxi driver that took us from the hotel to the taxi-brousse stop was very kind and waited until we were settled. We paid for 4 seats to go a bit more "comfortably" and to rush the taxi-brousse departure, which only leaves once it's completely full. In front of us was whole family occupying only 4 seats... As we left the taxi-brousse stop the engine failed straight away, but no worries. A little pushing and off we went to Antsirabe! The journey itself was actually quite calm. The van won't do more than 70km per hour - good thing it doesn't - firstly because of the turns and then because of the holes on the road, and because of the potency of the van itself. And that's how you do 200kms: very calmly, in 4 and half hours...
The next day journey was the real strenuous trip, and the tolerance and patience exercise we told you about.
It was in Antsirabe that we made all the arrangements for the Tsirihibina River descent and we arranged with Lanto from Tropic Voyage Tours that we would go to Miandrivazzo, where the descent starts, by taxi-brousse as opposed to a private vehicle. We got to the taxi-brousse stop at around 10 am and we waited, and waited, and waited... Two and a half hours until the van was full and only then ready to depart. That's how the test to our patience started. Patience is a virtue all of the Malagasy people seem to have, judging by the peacefulness and "non-reaction" of all passengers... In Portugal every little thing is a motive to stress or to complain, here all we can do is accept the timing is different. This time we took the front seats, for no extra money, and we had a lot more leg room than the day before. Not even one hour had gone by and there was already smoke coming out of the van and that's how we made our first forced stop for lunch. We would have to wait around for a while anyway so the best thing to do was to eat something... We got on the move again about 45 minutes later for another hour journey. As we were getting to a steep downhill ramp we heard the tinkling sound of some piece of machinery dropping on the tarmac and noticed the worried look of the driver who immediately stopped the van before we got to the ramp. Once more the 21 passengers, including women carrying babies, had to get out of the van for a little fixing. We honestly thought we wouldn't go any further, we thought we'd probably have to sleep tightly together until we could get a ride of a car passing by, which until then was none! After taking out the tire, screwing and unscrewing little bits and pieces, after we noticed the breaks were completely broken and carelessly put together, we got on the move again for this long - very long - journey. Besides the usual stops in which the driver bribed the policemen to get away with the extra people he brought, we still stopped various times to drop people off and to take a few more - amongst them two armed military men, a person carrying a live chicken and another one carrying a basket with dry fish with a nauseous smell. We got to Miandrivazzo 7 long hours after (not including the hours we waited for the departure) for our such longed for rest in our "en suite room", which was basically a room with a toilet without a seat a few centimeters apart from the bed divided by a curtain...
Another type of taxi-brousse we've travelled in is a pick-up truck (we still went on the front seats), with worn-out tires, but still a bit bigger than the usual, to handle the dirt road between Antsikaraka and Morondava.
In Morondava we decided we needed a few days on the beach just to relax and rest, but we realized that to get to Ifaty it would take us about 3 days on a taxi-brousse, and as such we decided to invest some money on a 4 wheeled vehicle with driver (there's no other option and we totally understand why) to reduce the time we would spend traveling to "just" two days. We had been warned the "road" was in terrible condition (all the others we've been to are great according to them), but it was only when we were on the move that we realized there was no road at all... We spent two days driving through the woods, on the second day we even got a basic ferry which made us wonder how people even get there, we went through communities lost in the woods where the vegetation was higher than us, through areas where grasshoppers create clouds, the vehicle was bogged down in the middle of a river and we got terrible back aches from so many ups and downs... And we got hungry. We had to ration our 4 bananas and our packet of crackers...
Another usual means of transport around here is the pousse-pousse: a rickshaw pulled by one man, a lot of the times bare feet. Some people have scruples about using them because they associate it with slavery or find it offensive to be pulled by another human being. In fact, more than pity or sympathy, these men need work and money and as such we have also tried this means of transport for short distances.
Traveling in Madagascar is a real adventure, it's probably the wildest trip we've done, but some things stick to you for live, and we have to enjoy it now!!
Olá!
ResponderEliminarComo vão os dois?
Os meus avós maternos vivem no Alentejo (Nisa) e eu custumava queixar-me por demorarmos duas horas a fazer os 200 km de distância que nos separam...
Obrigada pela perspectiva! ^^'
E se quiserem paciência eu vendo 5 € o saquinho. Tenho demasiada!
Mais uma fez as fotos são brutais... posso sugerir um livro fotográfico?
Beijokas aos dois!
^^x
Olá aos dois.Quando viajamos muitas vezes optamos pelo mais cómodo,pelo "percurso do turista".Mas perdemos assim os detalhes que nos mostram a realidade das vidas das pessoas e dos locais que visitamos.Foi uma ótima escolha a vossa.É interessante ver que tudo é uma questão de perspectiva;que um conceito pode ter significado e importância diferentes.Depende da pessoa que o atribui.Como o tempo...Beijinhos e continuação de uma excelente aventura.A lifetime experience.
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